Paletes de paletes
Sou abordado, com frequência, no
sentido de se saber de onde é que vem a minha fixação por paletes.
Adianto que não se trata de uma fixação, nem de uma obsessão,
acho que é uma forma que encontrei para dar continuidade à minha
paixão infantil pela lógica orgânica da Lego, pois passei mais
tempo a brincar com esses blocos de plástico, criados na Dinamarca,
em 1936, do que com qualquer outro brinquedo.
Esta ligação às paletes é bem mais
recente e foi fruto do acaso. Começou com a necessidade de erguer um
objecto de grandes dimensões, se possível oval, junto da entrada do
Mercado de Sant'Ana, em Leiria, por ocasião do I Festival do Ovo. A
ideia era fazer uma instalação com forte impacto visual, que
pudesse, pela sua dimensão, dificuldade e originalidade, atrair mais
visitantes para aquele certame. Foram sugeridos e considerados alguns
materiais para a sua construção, como fibra de vidro, metal e até
vinil, mas, para além dos custos associados, nenhum deles teria um
processo de reciclagem ou reutilização simples e directo. Até que
surgiu a possibilidade de utilizar as paletes das empresas produtoras
de ovos, mas logo se percebeu que juntar paletes dispensáveis de
diversas empresas era tarefa quase impossível. Mas a ideia ficou.
Tanto ficou, que decidi procurar o fabricante de paletes mais próximo
de Leiria. O google indicou-me vários, mas foi a Martos, das
Colmeias, que decidi contactar primeiro, pois era a que tinha mais
comentários e uma classificação de recomendação de cinco
estrelas. Não podia ter batido a melhor porta. Foi logo no primeiro
telefonema com o seu administrador, Leonel Marto, que tudo ficou
decidido. Não só houve abertura para a cedência gratuita em regime
de empréstimo das paletes necessárias, como ainda foi oferecido
apoio técnico e transporte. Tudo, a troco da possibilidade de ficar
ligado ao projecto e daí poder tirar dividendos de imagem e
publicidade.
A instalação, em forma de ovo, com
seis metros de altura por cinco de diâmetro, foi um sucesso, e
acredito que Leiria nunca mais olhou para as paletes da mesma
maneira. O enquadramento foi perfeito. Uma instalação temática
original, construída com pouco investimento, com materiais
totalmente reutilizáveis e, ainda por cima, tendo por base a madeira
de pinho, por ventura a matéria prima natural com maior tradição e
ligação à região.
Não tardou até que o Município de
Leiria, num registo informal, através do seu vice-presidente,
Gonçalo Lopes, lançasse o desafio para a possibilidade de uma
instalação natalícia, construída com paletes. Desafio aceite e,
mais uma vez, com a indispensável ajuda técnica do engenheiro Bruno
Maciel. O projecto consistia numa instalação em forma de árvore de
Natal com onze metros de altura e mil e duzentas paletes, bem no
centro da cidade. Mais uma vez, a Martos emprestou as paletes, e no
mesmo registo juntou-se a MS Cariano, que emprestou os meios de
elevação. Foi uma instalação com a sua dose de polémica, mas que
teve um elevado nível de notoriedade.
No ano seguinte, pela altura do Natal,
com as mesmas parcerias, foi construída a Vela de Natal, com mil e
quatrocentas paletes e catorze metros de altura. Mais tarde, A Porta,
com novecentas paletes e nove metros de altura, uma instalação que
assinalou o festival de rua mais criativo de Leiria. Recentemente,
foi a Casa do Pai Natal, com oitocentas paletes, que deu alma à
época festiva na praça mais emblemática do centro histórico. Pelo
meio, ainda houve lugar para diversos projectos mais pequenos, como o
Festival da Cerveja Artesanal, diverso mobiliário interior e
exterior e outras instalações específicas num plano mais
comercial.
Posso afirmar que a ligação
improvável a este equipamento básico da logística, através dos
projectos realizados e da forma sustentável como vem sendo
desenvolvida, acumulou notoriedade para todas as entidades envolvidas
e tornou-se um caso de popularidade da própria cidade.
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